quarta-feira, 25 de maio de 2016

Chapeuzinho Vermelho Revisited (CV)


A cesta de doces foi preparada com muito cuidado pela mãe de Chapeuzinho Vermelho. A menina ainda não havia acordado. Quando levantasse, bastava tomar o café da manhã rapidamente e então a caminhada até o morro vizinho para entregar a encomenda para a Vovozinha.

Enfrentar o asfalto não era uma tarefa fácil, principalmente depois das várias passagens pela polícia. Como era menor, Chapeuzinho sempre se safara. Vovozinha tinha ótimos advogados a serviço da facção. Mas a polícia já a conhecia, então ela tinha que redobrar os cuidados quando fosse entregar as encomendas.

O carregamento havia chegado na noite anterior. Cinquenta quilos de pasta de coca pura. A entrega era sempre feita no morro da Chapeuzinho, de barco, em um braço de mangue que ficava no lado oposto ao da cidade. A escuridão e o acesso difícil ocultavam as atividades da polícia.

Chapeuzinho acordou ainda na madrugada. Colocou sua capa vermelha e escondeu duas pistolas na cintura. Comeu com a mãe os pães, tomou o café com leite e preparou-se para sair. Beijou a mãe e dirigiu-se para a porta do barraco. Foi interrompida pela mãe ao tocar a maçaneta.

- Se vir aquele filho da puta do Lobo Mau, mete uma azeitona nele! Não dê mole, hein!

- Pode deixar, Mamãe! Se eu cruzar com ele dessa vez, ele não vai nem ver o que o atingiu!

Chapeuzinho saiu cantarolando um funk. Caminhava com cuidado pelos becos e vielas. Passou por alguns moradores da comunidade que já se dirigiam ao trabalho. Todos a olhavam com um misto de medo e respeito. Afinal, era a neta preferida da Vovozinha.

No morro não havia problemas. O pessoal da comunidade dava cobertura caso os “alemão” resolvessem subir. Mas as cinco quadras que separavam os morros vizinhos eram o grande problema. Não era fácil achar cobertura. Mas a menina estava com sorte hoje! Uma moto com um rapaz se aproximou quando ela ia deixar a proteção do morro.

- Chapéu, Chapéu! Como vai minha gatinha?

- Marquinhos VP, quando foi que saiu da cadeia?

- Ih gata, os maluco me deram o tal de induto de dia das mães! Aí só não voltei, morou! Tava com saudade de tu, minha nega!

- Eu também tava! Mas agora tenho que ir até a Vovó, levar esses doces! – disse mostrando a cesta.

- Sobe aí que a gente corta esse asfalto rapidinho! Não vai ter alemão pra te pegar hoje! Quem vai te pegar depois sou eu!

Chapeuzinho subiu na garupa, com a cesta entre ela e Marquinhos VP. Ele arrancou com a moto em alta velocidade e em pouco tempo pararam ao pé do Morro da Vovó.

- Vai lá, Chapéu! Depois da entrega, vou te levar prum motel pra tu relaxar numa banheira de espuma!

Chapeuzinho subiu o morro. O barraco da Vovó ficava bem na parte de cima, com visão de todos os pontos de chegada. Bateu na porta quando chegou.

- Entre minha netinha. Vovó estava te esperando. Estou meio gripada e ainda estou deitada no quarto.

Ao atravessar a porta da sala para quarto, Chapeuzinho foi surpreendida pelo Lobo Mau. Ele estava com uma equipe de seis homens fortemente armados. Todos vestiam preto e a caveira no braço já dizia que a menina estava em apuros.

Como podia ter sido tão burra – pensou -  Aquela voz há pouco estava bem diferente da vovó, mas o “meio gripada” serviu para enganá-la. O Lobo que havia imitado a vovó tão bem, agora ordenou a um de seus homens.

- Bota a porra da menina no saco, Matias!

Sem ter tempo de reagir, Chapeuzinho se viu com a cabeça enfiada em um saco plástico. Lutando para respirar, sentiu as primeiras porradas e o sangue escorrer do nariz quebrado. Então o saco foi tirado e o Lobo deu dois tapas na cara da menina.

- Cadê a porra da velha, sua piranha? Onde ela se escondeu, caralho?

Chapeuzinho tentou cuspir no Lobo, mas o saco já estava de novo em sua cabeça. Mais algumas porradas e então quando ela achava que ia desmaiar sem ar, o saco saiu de novo. A garota puxou o ar com força, quase gritando. Então o Lobo deu mais dois tapas para ela acordar direito.

- Fala, porra! Abre o bico, caralho! Senão eu vou abrir a porra de um buraco nessa merda da tua cabeça! – ele encostou uma pistola na têmpora da menina.

Quando ela ia falar, começaram os tiros. O Lobo foi atingido no colete e caiu no chão atordoado. Chapeuzinho se jogou também, quando o policial que a segurava foi atingido na cabeça.

***

Marquinhos VP estava começando a estranhar a demora. Fumava um baseado sentado na moto quando a Vovó apareceu.

- Moleque, vem comigo! Aquele filho da puta do Lobo invadiu aqui na surdina e estava no meu barraco quando a menina chegou. Eles devem ter pego ela e isso não vai ficar barato! Vamos massacrar esses “alemão”!

Vovó jogou um fuzil para Marquinhos. Ao passarem pela birosca da Baiana e começarem a subir o morro, vários homens armados se juntaram a eles. Ia ter guerra!

***

Os tiros duraram quase 5 minutos sem parar. Nenhuma das balas partiu de dentro do barraco. Foi um verdadeiro massacre. Os seis homens que estavam com o Lobo Mau não tiveram a mínima chance. Somente o Lobo e Chapeuzinho que estavam no chão sobreviveram. O Lobo estava bastante atordoado, depois do tiro aparado pelo colete, mas viu Chapeuzinho se levantar e apanhar um fuzil de um dos seus homens mortos e apontar pra ele.

- A casa um dia vai cair pra vocês, sua piranha! – praguejou.

- Piranha é o caralho! Meu nome é Chapeuzinho Vermelho, porra!

O tiro ecoou pelo morro e praticamente arrancou a cabeça do Lobo.

(Acho que escrevi algo parecido com isso quando estava na quinta ou sexta série. É claro que era uma historinha mais inocente, sem palavrões e muito menos violenta. Lembro que o Lobo era um agente do DEA Norte Americano, que queria pegar a vovó, a dona do morro. E era uma história bem doida, que tinha até um ex-piloto kamikaze que ajudava o Lobo na missão - ex-piloto kamikaze é hilário, né....bom, está uma historinha um pouco mais violenta, mas ainda brincando com o clássico infantil)


quarta-feira, 18 de maio de 2016

Uma cena qualquer - Além da imaginação


As belas pernas cruzadas não deixavam dúvidas de que tinha tirado a sorte grande. Geralmente nessas salas de bate papo da internet só se encontram mulheres feias. Já tinha desistido de muitos encontros ao avistar a garota no local combinado. Se não gostava do que via, dava às costas e voltava para casa ou ia para outro bar terminar a noite na companhia de copos e latas de cerveja. Dessa vez, abriu um enorme sorriso. As fotos enviadas pela garota eram verdadeiras!

Ela também sorriu ao avistá-lo.  O gesto lhe deu mais confiança e ele acenou enquanto atravessava a rua.

- Boa noite! – disse, tentando disfarçar o entusiasmo.

- Olá Nicolas! Muito bom não ter desistido! Achei que não acreditaria nas fotos! Primeiro ponto pra você! Sente-se e vamos continuar o jogo! Talvez você receba o prêmio máximo no final da noite! Quem sabe? O que vamos beber?

Nicolas pediu ao garçom uma cerveja belga à base de trigo e bastante perfumada.

- Dois pontos por essa escolha, gatinho! É a primeira vez que alguém pede uma cerveja em um encontro comigo! Geralmente os caras tentam impressionar com vinhos caros e acabam sempre dando uma de babacas!

O olhar de Nicolas estava fixo nos lábios cobertos pelo forte batom carmim que encontraram a borda do copo. Ele se deixou perder na imaginação: seus lábios tocando aqueles lábios. Suas mãos explorando cada centímetro daquele corpo escultural, abrindo o vestido e sentindo o calor da pele dela em seus dedos. Suas mãos chegando ao pescoço macio....

- Terra para Nicolas!  Ainda está aqui comigo?

- Desculpe...eu estava...estava pensando...- gaguejou.

- Sei muito bem o que você estava pensando, bobinho! Esse olhar de desejo merece mais alguns pontos! Eu vou te levar pra cama! Tomei a decisão ao te ver cruzando a rua. Vamos pular o jantar e dar o fora daqui!

Nicolas se levantou, ainda sem acreditar em como estava sendo fácil. Foram duas semanas de conversas pela internet. Depois trocaram telefone e conversaram por umas duas horas em uma fria madrugada. Assuntos banais e a maioria das informações trocadas eram mentiras. Ou será que não eram? Dois dias depois, marcaram o encontro.

Enquanto saiam, a garota não reparou que a programação musical na televisão do bar era interrompida para um plantão de notícias urgente. Mais uma vítima do estrangulador misterioso que estava agindo na região tinha sido encontrada.

Na cama redonda do motel, Nicolas realizou o que havia imaginado poucos minutos antes. Sentia o tesão crescendo entre as pernas. O jeans justo apertava, mas a dor era parte do prazer. Seus lábios saborearam os carnudos lábios da garota com batom carmim. Abriu o vestido vermelho e os lindos seios ficaram à mostra. Acariciou-a nas costas, subindo vagarosamente as mãos até que seus dedos tocaram a pele macia do pescoço. Então Nicolas fechou as mãos com força. Não houve chance de defesa. Após alguns minutos apertando cada vez mais forte, Nicolas gozou nas próprias calças e a garota estava morta.

Ele matava para ter prazer, pois nunca conseguira ir até o fim de um ato sexual com uma garota. Já tinha tentado também com homens. Mas sempre falhava antes da hora. Nunca chegava até o fim. Transformou sua frustração em sedução mortal. A mulher morta na cama do motel era sua décima primeira vítima. E ele havia começado há pouco mais de um ano. Uma vítima a cada 2 meses, mais ou menos.

Apoiado na pia do banheiro, se olhando no espelho e ainda sentindo o êxtase misturado ao cansaço do ato praticado, Nicolas percebeu que algo não estava certo. Foi como se um alarme sem som disparasse em sua cabeça. Nunca havia sido tão fácil!

O sangue do assassino congelou, quando viu pelo reflexo no espelho a garota morta se levantar na cama. Só que não era mais ela. Estava maior; mais forte. O rosto desfigurado e demoníaco.

- Achou mesmo que tinha tirado a sorte grande, docinho? Quem tirou fui eu, que adoro me alimentar de almas de assassinos!

Com uma velocidade inumana, a criatura agarrou Nicolas pelos ombros. Sua mandíbula dividiu-se em quatro, mostrando dentes pontiagudos como ferrões de um grande inseto. Eles agarraram o rosto de Nicolas rasgando a carne de seu queixo e quebrando os ossos logo abaixo de seus olhos. Era o beijo mortal do demônio. Nicolas não gritou.  

Defecou e urinou nas calças, perdido na imensa dor que sentia. Lentamente, a criatura sugava todo o seu sangue, toda sua carne e toda sua alma. Seu corpo murchou aos poucos, até restarem apenas as roupas sujas.

O demônio largou os trapos no chão e voltou-se para o espelho. A linda mulher de vermelho ajustou o vestido e retocou o forte batom carmim, antes de deixar o quarto.


(Meu autor favorito é o grande mestre Stephen King. Li recentemente Dr. Sono – continuação de O Iluminado – e Mr. Mercedez. Os dois são muito bons! Terminei de ler ontem o livro de memórias e técnicas de redação dele chamado Sobre a Escrita. Quis fazer um exercício sobre a criação de diálogos e então acabou saindo esse texto aí. Em Sobre a Escrita, King diz que há uma fase em que escrevemos “com a porta fechada” e não mostramos o texto para ninguém, mas eu tenho escrito “com a porta aberta” e colocado minhas loucuras aqui no blog. Tenho o cuidado de fazer uma pequena revisão em cada texto, mas eles estão bastante crus. Neste de hoje, fiz também uma revisão um pouco mais detalhada, alterando e cortando algumas partes. De uma primeira versão com 935 palavras, cheguei a essa que foi publicada com 791 palavras. Espero que estejam gostando).



quarta-feira, 11 de maio de 2016

O Diabo...


Minhas pernas tremeram e quase falharam ao pisar no gramado coberto pelo tablado de madeira. Na outra extremidade do estádio, estava montado o enorme palco onde em algumas horas alguns de meus ídolos iriam ensurdecer a multidão. E eu era um dos primeiros a entrar!

A emoção aumentava a cada passo! Eu me aproximava do palco e meus olhos lacrimejavam um pouco mais a cada metro percorrido. Eu iria conseguir ver tudo da grade! Sensacional!

O calor era apenas parte do pacote! Não ia estragar o momento. As horas passaram magicamente e um sonho de infância estava sendo realizado! Lembrei da primeira música que ouvi da banda, num “compacto” que minha mãezinha colocou na vitrola! Queria que ela estivesse presente, mas sabia que de algum lugar ela observava minha satisfação! Faltavam poucos minutos!

E então vieram os primeiros acordes e os gritos da multidão que lotavam o estádio!

Charlie, Ron, Keith e Mick estavam ali, bem pertinho, quase ao alcance das minhas mãos!

Fiquei arrepiado desde a abertura do show, que começou com Start me Up e visitou inúmeros clássicos dos Stones! Love is Strong, Ruby Tuesday, Angie, Paint in Black...

Após uma breve pausa depois de mais de duas horas de clássicos, vieram finalmente as mais esperadas: Satisfaction e Gimme Shelter!

Então Charlie, Ron, Keith e Mick se despediram e as luzes se apagaram! Havia sido demais, eu estava sem voz e extremamente feliz! Foi então que me dei conta: eles não tinham tocado minha música preferida! Aquela, do compacto que minha mãe colocou na vitrola e foi a primeira música da banda que ouvi!

Quando minha decepção estava começando a se tornar maior que minha alegria, começaram os primeiros tambores. Eles não tinham esquecido, não! Tinham guardado a melhor para o grande e catártico final! Eu ia ouvir Sympathy for the Devil!

Mas ouvi apenas a frase inicial “Please allow me to introduce myself...” (Por favor, permita que eu me apresente...) e então acordei às 4:15 da manhã, apertado pra dar uma mijada!
É, o Diabo é mesmo um grande filho da puta!

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Curto e Grosso - Crônicas da Vida – O homem que andava cabisbaixo


De tanto andar cabisbaixo, não reparou no melhor amigo da infância que não via há mais de 15 anos, quando passou por ele na rua.

Deixou também de ver o anúncio do trabalho dos sonhos ao passar em frente à agência de empregos.

Não viu a manchete do jornal que iria mudar o mundo para sempre e tampouco o bilhete que o premiaria com milhões na loteria.

De tanto andar cabisbaixo, não encontrou o amor de sua vida na fila do banco. Apenas o perfume doce ficou marcado em sua lembrança.

Morreu atropelado por um ônibus ao atravessar a rua.

O motorista dirigia cabisbaixo, respondendo a uma mensagem em um aplicativo de celular.

(Semana que vem o título do texto é: O Diabo é mesmo um grande filho da puta!)