Correu como nunca.
Os galhos
passavam arranhando seu rosto e seus braços. O ar quente e a umidade faziam com
que ficasse mais difícil respirar. Parecia que o ar era mais denso. Mesmo
assim, continuou correndo. Os gritos de todos os seus amigos ainda ecoavam em
sua cabeça, misturados ao rosnado dos diversos lobos da matilha. Em meio às
árvores que passavam rapidamente, lembranças das imagens horríveis do ataque.
O vermelho viscoso manchou as lonas
como se um pintor pós-modernista jogasse litros de tinta em uma tela clara. O
cheiro de morte pôde ser sentido quase que imediatamente no ar. As barracas
foram atacadas pelo grupo de lobos com uma violência incrível. A voracidade dos
animais era tão extrema quanto à fome que sentiam.
Ele conseguiu se defender
colocando um dos braços à frente e nocautear um dos predadores com uma pedra
que conseguiu pegar do chão. Correu como nunca para a mata fechada. A lua cheia
permitiu que enxergasse um pouco melhor o caminho. A adrenalina começou a baixar
após longos minutos correndo e ele passou a sentir a dor no braço lacerado. Os
dedos da mão estavam dormentes e ele não conseguia movê-los.
Tentou se acalmar uma pouco e
pensar com mais clareza. Precisava fazer alguma coisa em relação ao braço.
Tirou a camisa e com o auxílio dos dentes rasgou o tecido. Também com a ajuda
da boca, amarrou o mais forte que pôde a camisa no braço, pouco acima
dos ferimentos. Não era muito, mas já ajudaria a conter o sangramento. Precisava
pensar rápido. Durante o ataque, apenas correu desesperadamente, sem pensar
para onde e sem saber o quão longe conseguiria chegar antes que dentes afiados
rasgassem seu pescoço. Conseguiu escapar, ao menos por enquanto. Mas não
podia ficar parado.
Tentou se orientar olhando para o
céu, mas era quase impossível. A única noção que tinha era que correra para o
lado oposto de onde tinham deixado os carros, visto que a floresta começava
mais para dentro do vale onde decidiram acampar, ao lado de um pequeno mas belo riacho. Correu em linha reta - ou o
que achou ser linha reta - por cerca de 10 minutos, o que deveria dar uma
distância de um quilômetro mata à dentro. Do acampamento até os carros, a
caminhada era de cerca de quatro quilômetros na direção leste. Havia ainda a
escalada do paredão vertical de cerca de 30 metros. Mais para dentro do vale, apenas
floresta e o rio que ficava a uns 25 quilômetros a oeste.
Tinha que se decidir rapidamente
entra as duas opções. Um caminho mais curto a leste, ou uma longa caminhada riacho
abaixo até encontrar o rio. Ambos se apresentavam como odisseias.
Apesar de mais curto, o primeiro caminho tinha uma matilha de cerca de seis ou
sete lobos entre ele e a salvação. O mais longo tinha a distância e o tempo,
pois o ferimento do braço parecia bastante sério. Mas havia diversas cabanas de
caçadores e pescadores ao longo do rio, provavelmente habitadas nesta época do
ano. O tempo estava passando e ele não podia se dar ao luxo de esperar. Os
lobos poderiam aparecer e emboscá-lo a qualquer momento.
Tomou a decisão quase
instantaneamente. O seu sangue gelou nas veias e o arrepio percorreu todo o seu
corpo, quando ouviu ao leste o chamado do líder da matilha. O longo uivo
anunciava o inicio da caçada.
Voltou a correr como nunca.
Continua...
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