segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

A caçada


Correu como nunca.
Os galhos passavam arranhando seu rosto e seus braços. O ar quente e a umidade faziam com que ficasse mais difícil respirar. Parecia que o ar era mais denso. Mesmo assim, continuou correndo. Os gritos de todos os seus amigos ainda ecoavam em sua cabeça, misturados ao rosnado dos diversos lobos da matilha. Em meio às árvores que passavam rapidamente, lembranças das imagens horríveis do ataque.
O vermelho viscoso manchou as lonas como se um pintor pós-modernista jogasse litros de tinta em uma tela clara. O cheiro de morte pôde ser sentido quase que imediatamente no ar. As barracas foram atacadas pelo grupo de lobos com uma violência incrível. A voracidade dos animais era tão extrema quanto à fome que sentiam.
Ele conseguiu se defender colocando um dos braços à frente e nocautear um dos predadores com uma pedra que conseguiu pegar do chão. Correu como nunca para a mata fechada. A lua cheia permitiu que enxergasse um pouco melhor o caminho. A adrenalina começou a baixar após longos minutos correndo e ele passou a sentir a dor no braço lacerado. Os dedos da mão estavam dormentes e ele não conseguia movê-los.
Tentou se acalmar uma pouco e pensar com mais clareza. Precisava fazer alguma coisa em relação ao braço. Tirou a camisa e com o auxílio dos dentes rasgou o tecido. Também com a ajuda da boca, amarrou o mais forte que pôde a camisa no braço, pouco acima dos ferimentos. Não era muito, mas já ajudaria a conter o sangramento. Precisava pensar rápido. Durante o ataque, apenas correu desesperadamente, sem pensar para onde e sem saber o quão longe conseguiria chegar antes que dentes afiados rasgassem seu pescoço. Conseguiu escapar, ao menos por enquanto. Mas não podia ficar parado.
Tentou se orientar olhando para o céu, mas era quase impossível. A única noção que tinha era que correra para o lado oposto de onde tinham deixado os carros, visto que a floresta começava mais para dentro do vale onde decidiram acampar, ao lado de um pequeno mas belo riacho. Correu em linha reta - ou o que achou ser linha reta - por cerca de 10 minutos, o que deveria dar uma distância de um quilômetro mata à dentro. Do acampamento até os carros, a caminhada era de cerca de quatro quilômetros na direção leste. Havia ainda a escalada do paredão vertical de cerca de 30 metros. Mais para dentro do vale, apenas floresta e o rio que ficava a uns 25 quilômetros a oeste.
Tinha que se decidir rapidamente entra as duas opções. Um caminho mais curto a leste, ou uma longa caminhada riacho abaixo até encontrar o rio. Ambos se apresentavam como odisseias. Apesar de mais curto, o primeiro caminho tinha uma matilha de cerca de seis ou sete lobos entre ele e a salvação. O mais longo tinha a distância e o tempo, pois o ferimento do braço parecia bastante sério. Mas havia diversas cabanas de caçadores e pescadores ao longo do rio, provavelmente habitadas nesta época do ano. O tempo estava passando e ele não podia se dar ao luxo de esperar. Os lobos poderiam aparecer e emboscá-lo a qualquer momento.
Tomou a decisão quase instantaneamente. O seu sangue gelou nas veias e o arrepio percorreu todo o seu corpo, quando ouviu ao leste o chamado do líder da matilha. O longo uivo anunciava o inicio da caçada.
Voltou a correr como nunca.
 
Continua...

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