quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

O linchamento!


O brilho das tochas ofuscava o caminho à frente. Mas isso não era um problema. Ele sabia muito bem para onde estavam indo. A turba o seguia. Ele podia sentir que estavam todos com ele. Estavam em uns trinta; homens e mulheres. Não ia demorar muito tudo estaria resolvido. O acerto de contas iria ser finalizado.

A noite estava fria. A leve brisa da noite fazia com que as chamas bruxuleassem criando sombras na escuridão. Sombras que iram se propagar por muito tempo na história daquela cidade. Talvez, se ele soubesse disso, jamais teria ido até o fim.

Seguiram em frente. Cruzaram a praça e chegaram até a porta da cadeia. Era lá onde estava o desgraçado. Aquele que havia tirado a vida do seu tio. E que agora ia pagar por isso. Todos eles carregavam paus, pedras, rastelos e outros objetos que poderiam ser utilizados como armas.

Podia sentir o medo nos olhares daqueles que o seguiam. Todos o temiam. Afinal, era ele e sua família quem mandavam naquela cidade. Eles eram os donos daquele lugar. Nenhum jornalistazinho nordestino qualquer iria mudar isso.

Ele também sentia o ódio que emanava de seu coração contaminando a todos. Além do medo, ele inspirava nos conterrâneos a sede de vingança.

A adrenalina aumentou quando pararam em frente à delegacia. Ele tremia. A ansiedade era imensa. Da porta, um policial gritou:

- Vão embora! É melhor deixar a justiça lidar com o caso. Não queremos confusão e a madrugada está fria! Vão para casa todos vocês!

- Nós somos a justiça! –  gritou o homem que liderava a turba – Esse assassino não vai sair impune!

A delegacia estava cercada pelos revoltados. As tochas iluminavam a fachada do lugar. Todas as janelas e a porta frontal estavam trancadas. O líder tentou forçar a abertura, mas não teve sucesso.

- Abram essa porcaria! Eu não vou embora antes que esse nordestino de merda pague pelo crime que cometeu! Sabem quem eu sou? Eu sou o dono de vocês! Eu mando nessa cidade!

Ele começou a chutar a porta. Uma, duas, três vezes. Cada vez imprimindo mais força. A porta balançava e rangia. Mais alguns homens do grupo se juntaram a ele. Parecia que a madeira iria ceder em breve.

Enquanto chutavam, puderam ouvir que os policiais dentro da delegacia arrastavam algum móvel, com o objetivo de reforçar a porta. Mas era tarde demais. A porta se abriu quando a madeira rachou próximo à fechadura. Os homens correram para dentro da delegacia e renderam os dois policiais. Tomaram suas armas.

- Onde está a chave das celas? – disse o líder para um dos saldados.

- Senhor, não faça isso! Pense nas consequências...

O policial mal terminou de dizer a frase que tentava dissuadir os invasores quando foi atingido por um soco no nariz. O sangue começou a escorrer imediatamente e o homem que buscava vingança o encarou com o demônio no olhar.

- Eu já disse que mando nessa merda toda!

Desferiu mais um golpe no policial que desmaiou. No cinto dele, estava um molho de chaves. Dirigiu-se aos fundos da delegacia, para a área onde ficavam as celas. Ao parar defronte o cárcere de seu desafeto, ficou ainda mais irritado pois este aparentava estar tranquilo, ciente de seu destino e sem medo de encará-lo.

- Já sabes que vais morrer, seu filho de uma puta?

- Que outro fim poderia ter esta história? Escrevi algumas verdades, nada mais! Depois apenas defendi-me de seu tio. Só o matei para não morrer!

- Mentira! Você e o seu primo queriam acabar com nossa força política e inventaram mentiras! E então mataram o homem que iria desmascará-los!

A cela foi aberta e os dois foram arrastados para fora da delegacia sob pauladas, pedradas, socos e pontapés. Foram atirados ao chão da praça e o espancamento continuou.

O líder da turba era o mais ensandecido. Tinha prazer a cada golpe. E concentrou toda a sua raiva naquele com quem trocara as palavras dentro da cadeia. Ria como um louco. O sangue da vítima que era linchada impiedosamente escorria por suas roupas e seu rosto.

Quando os dois estavam mortos, um grito de desespero fez gelar os corações de todos os que praticavam o linchamento. O silêncio foi instantâneo.

- Nãaaoooo! Assassinos! Meu filho, nãaaooo!

A mulher vinha correndo pela praça e tomou o filho morto nos braços. Chorando, encarou o líder dos homens que o haviam matado:

- Você vai se arrepender disso! Não vai ter paz por toda a eternidade! Eu te amaldiçoou a viver na amargura e no sofrimento até encontrar a justiça no inferno! Amaldiçoo também está cidade mesquinha e doente! Nunca prosperará! Que este sangue derramado do meu filho se torne o veneno de uma serpente e jamais traga paz a essa cidade e a você! Assassino! Daqui me vou e não levarei nem meus sapatos, pois desta terra não quero levar nada!

Dizendo isso, a senhora tomou uma tocha caída ao chão e desferiu um golpe no assassino de seu filho. Para se defender, ele segurou a tocha com a mão direita. A dor foi instantânea. O cheiro de carne queimada tomou a ar.

- Está queimadura é a marca que o Diabo vai usar para levar tua alma! Nunca se livrará dela e sofrerá as consequências desse ato hediondo!

Ele tomou a tocha da mulher. As chamas ainda queimando sua carne. A dor aumentando...aumentando.....aumentando....



+++



Daniel acordou suado e assustado. Sua mão direita doía como se estivesse queimando. Ele acendeu as luzes e olhou para a mão, esperando ver a pele queimada e retorcida. Meu deus, foi apenas um sonho. A mão estava normal. Sem bolhas e a dor estava passando.

(Depois de um breve período sem postagens - já que ninguém é de ferro e eu também tirei merecidas férias - voltamos aos contos, poemas, devaneios e outras loucuras no Manifesto Irracional. Esse é mais um trecho da história que estou tentando desenvolver para fechar um romance. Já tenho toda a linha da história, personagens e até já sei o possível final. Difícil está sendo costurar todas as ideias. Mas vamos com calma! Hehehe...quem quiser mais um gostinho dela, busque pelo texto Gerra na Terra do Sol, que postei em junho do ano passado)