O brilho das tochas ofuscava o
caminho à frente. Mas isso não era um problema. Ele sabia muito bem para onde
estavam indo. A turba o seguia. Ele podia sentir que estavam todos com ele.
Estavam em uns trinta; homens e mulheres. Não ia demorar muito tudo estaria
resolvido. O acerto de contas iria ser finalizado.
A noite estava fria. A leve brisa
da noite fazia com que as chamas bruxuleassem criando sombras na escuridão.
Sombras que iram se propagar por muito tempo na história daquela cidade.
Talvez, se ele soubesse disso, jamais teria ido até o fim.
Seguiram em frente. Cruzaram a
praça e chegaram até a porta da cadeia. Era lá onde estava o desgraçado. Aquele
que havia tirado a vida do seu tio. E que agora ia pagar por isso. Todos eles
carregavam paus, pedras, rastelos e outros objetos que poderiam ser utilizados
como armas.
Podia sentir o medo nos olhares
daqueles que o seguiam. Todos o temiam. Afinal, era ele e sua família quem
mandavam naquela cidade. Eles eram os donos daquele lugar. Nenhum jornalistazinho
nordestino qualquer iria mudar isso.
Ele também sentia o ódio que
emanava de seu coração contaminando a todos. Além do medo, ele inspirava nos
conterrâneos a sede de vingança.
A adrenalina aumentou quando
pararam em frente à delegacia. Ele tremia. A ansiedade era imensa. Da porta, um
policial gritou:
- Vão embora! É melhor deixar a
justiça lidar com o caso. Não queremos confusão e a madrugada está fria! Vão
para casa todos vocês!
- Nós somos a justiça! – gritou o homem que liderava a turba – Esse
assassino não vai sair impune!
A delegacia estava cercada pelos
revoltados. As tochas iluminavam a fachada do lugar. Todas as janelas e a porta
frontal estavam trancadas. O líder tentou forçar a abertura, mas não teve
sucesso.
- Abram essa porcaria! Eu não vou
embora antes que esse nordestino de merda pague pelo crime que cometeu! Sabem
quem eu sou? Eu sou o dono de vocês! Eu mando nessa cidade!
Ele começou a chutar a porta.
Uma, duas, três vezes. Cada vez imprimindo mais força. A porta balançava e
rangia. Mais alguns homens do grupo se juntaram a ele. Parecia que a madeira
iria ceder em breve.
Enquanto chutavam, puderam ouvir
que os policiais dentro da delegacia arrastavam algum móvel, com o objetivo de
reforçar a porta. Mas era tarde demais. A porta se abriu quando a madeira
rachou próximo à fechadura. Os homens correram para dentro da delegacia e
renderam os dois policiais. Tomaram suas armas.
- Onde está a chave das celas? –
disse o líder para um dos saldados.
- Senhor, não faça isso! Pense
nas consequências...
O policial mal terminou de dizer
a frase que tentava dissuadir os invasores quando foi atingido por um soco no
nariz. O sangue começou a escorrer imediatamente e o homem que buscava vingança
o encarou com o demônio no olhar.
- Eu já disse que mando nessa
merda toda!
Desferiu mais um golpe no
policial que desmaiou. No cinto dele, estava um molho de chaves. Dirigiu-se aos
fundos da delegacia, para a área onde ficavam as celas. Ao parar defronte o
cárcere de seu desafeto, ficou ainda mais irritado pois este aparentava estar
tranquilo, ciente de seu destino e sem medo de encará-lo.
- Já sabes que vais morrer, seu
filho de uma puta?
- Que outro fim poderia ter esta
história? Escrevi algumas verdades, nada mais! Depois apenas defendi-me de seu
tio. Só o matei para não morrer!
- Mentira! Você e o seu primo
queriam acabar com nossa força política e inventaram mentiras! E então mataram
o homem que iria desmascará-los!
A cela foi aberta e os dois foram
arrastados para fora da delegacia sob pauladas, pedradas, socos e pontapés.
Foram atirados ao chão da praça e o espancamento continuou.
O líder da turba era o mais
ensandecido. Tinha prazer a cada golpe. E concentrou toda a sua raiva naquele
com quem trocara as palavras dentro da cadeia. Ria como um louco. O sangue da vítima
que era linchada impiedosamente escorria por suas roupas e seu rosto.
Quando os dois estavam mortos, um
grito de desespero fez gelar os corações de todos os que praticavam o
linchamento. O silêncio foi instantâneo.
- Nãaaoooo! Assassinos! Meu filho,
nãaaooo!
A mulher vinha correndo pela
praça e tomou o filho morto nos braços. Chorando, encarou o líder dos homens
que o haviam matado:
- Você vai se arrepender disso!
Não vai ter paz por toda a eternidade! Eu te amaldiçoou a viver na amargura e
no sofrimento até encontrar a justiça no inferno! Amaldiçoo também está cidade
mesquinha e doente! Nunca prosperará! Que este sangue derramado do meu filho se
torne o veneno de uma serpente e jamais traga paz a essa cidade e a você!
Assassino! Daqui me vou e não levarei nem meus sapatos, pois desta terra não
quero levar nada!
Dizendo isso, a senhora tomou uma
tocha caída ao chão e desferiu um golpe no assassino de seu filho. Para se
defender, ele segurou a tocha com a mão direita. A dor foi instantânea. O
cheiro de carne queimada tomou a ar.
- Está queimadura é a marca que o
Diabo vai usar para levar tua alma! Nunca se livrará dela e sofrerá as
consequências desse ato hediondo!
Ele tomou a tocha da mulher. As
chamas ainda queimando sua carne. A dor aumentando...aumentando.....aumentando....
+++
Daniel acordou suado e assustado.
Sua mão direita doía como se estivesse queimando. Ele acendeu as luzes e olhou
para a mão, esperando ver a pele queimada e retorcida. Meu deus, foi apenas um
sonho. A mão estava normal. Sem bolhas e a dor estava passando.
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