quarta-feira, 18 de maio de 2016

Uma cena qualquer - Além da imaginação


As belas pernas cruzadas não deixavam dúvidas de que tinha tirado a sorte grande. Geralmente nessas salas de bate papo da internet só se encontram mulheres feias. Já tinha desistido de muitos encontros ao avistar a garota no local combinado. Se não gostava do que via, dava às costas e voltava para casa ou ia para outro bar terminar a noite na companhia de copos e latas de cerveja. Dessa vez, abriu um enorme sorriso. As fotos enviadas pela garota eram verdadeiras!

Ela também sorriu ao avistá-lo.  O gesto lhe deu mais confiança e ele acenou enquanto atravessava a rua.

- Boa noite! – disse, tentando disfarçar o entusiasmo.

- Olá Nicolas! Muito bom não ter desistido! Achei que não acreditaria nas fotos! Primeiro ponto pra você! Sente-se e vamos continuar o jogo! Talvez você receba o prêmio máximo no final da noite! Quem sabe? O que vamos beber?

Nicolas pediu ao garçom uma cerveja belga à base de trigo e bastante perfumada.

- Dois pontos por essa escolha, gatinho! É a primeira vez que alguém pede uma cerveja em um encontro comigo! Geralmente os caras tentam impressionar com vinhos caros e acabam sempre dando uma de babacas!

O olhar de Nicolas estava fixo nos lábios cobertos pelo forte batom carmim que encontraram a borda do copo. Ele se deixou perder na imaginação: seus lábios tocando aqueles lábios. Suas mãos explorando cada centímetro daquele corpo escultural, abrindo o vestido e sentindo o calor da pele dela em seus dedos. Suas mãos chegando ao pescoço macio....

- Terra para Nicolas!  Ainda está aqui comigo?

- Desculpe...eu estava...estava pensando...- gaguejou.

- Sei muito bem o que você estava pensando, bobinho! Esse olhar de desejo merece mais alguns pontos! Eu vou te levar pra cama! Tomei a decisão ao te ver cruzando a rua. Vamos pular o jantar e dar o fora daqui!

Nicolas se levantou, ainda sem acreditar em como estava sendo fácil. Foram duas semanas de conversas pela internet. Depois trocaram telefone e conversaram por umas duas horas em uma fria madrugada. Assuntos banais e a maioria das informações trocadas eram mentiras. Ou será que não eram? Dois dias depois, marcaram o encontro.

Enquanto saiam, a garota não reparou que a programação musical na televisão do bar era interrompida para um plantão de notícias urgente. Mais uma vítima do estrangulador misterioso que estava agindo na região tinha sido encontrada.

Na cama redonda do motel, Nicolas realizou o que havia imaginado poucos minutos antes. Sentia o tesão crescendo entre as pernas. O jeans justo apertava, mas a dor era parte do prazer. Seus lábios saborearam os carnudos lábios da garota com batom carmim. Abriu o vestido vermelho e os lindos seios ficaram à mostra. Acariciou-a nas costas, subindo vagarosamente as mãos até que seus dedos tocaram a pele macia do pescoço. Então Nicolas fechou as mãos com força. Não houve chance de defesa. Após alguns minutos apertando cada vez mais forte, Nicolas gozou nas próprias calças e a garota estava morta.

Ele matava para ter prazer, pois nunca conseguira ir até o fim de um ato sexual com uma garota. Já tinha tentado também com homens. Mas sempre falhava antes da hora. Nunca chegava até o fim. Transformou sua frustração em sedução mortal. A mulher morta na cama do motel era sua décima primeira vítima. E ele havia começado há pouco mais de um ano. Uma vítima a cada 2 meses, mais ou menos.

Apoiado na pia do banheiro, se olhando no espelho e ainda sentindo o êxtase misturado ao cansaço do ato praticado, Nicolas percebeu que algo não estava certo. Foi como se um alarme sem som disparasse em sua cabeça. Nunca havia sido tão fácil!

O sangue do assassino congelou, quando viu pelo reflexo no espelho a garota morta se levantar na cama. Só que não era mais ela. Estava maior; mais forte. O rosto desfigurado e demoníaco.

- Achou mesmo que tinha tirado a sorte grande, docinho? Quem tirou fui eu, que adoro me alimentar de almas de assassinos!

Com uma velocidade inumana, a criatura agarrou Nicolas pelos ombros. Sua mandíbula dividiu-se em quatro, mostrando dentes pontiagudos como ferrões de um grande inseto. Eles agarraram o rosto de Nicolas rasgando a carne de seu queixo e quebrando os ossos logo abaixo de seus olhos. Era o beijo mortal do demônio. Nicolas não gritou.  

Defecou e urinou nas calças, perdido na imensa dor que sentia. Lentamente, a criatura sugava todo o seu sangue, toda sua carne e toda sua alma. Seu corpo murchou aos poucos, até restarem apenas as roupas sujas.

O demônio largou os trapos no chão e voltou-se para o espelho. A linda mulher de vermelho ajustou o vestido e retocou o forte batom carmim, antes de deixar o quarto.


(Meu autor favorito é o grande mestre Stephen King. Li recentemente Dr. Sono – continuação de O Iluminado – e Mr. Mercedez. Os dois são muito bons! Terminei de ler ontem o livro de memórias e técnicas de redação dele chamado Sobre a Escrita. Quis fazer um exercício sobre a criação de diálogos e então acabou saindo esse texto aí. Em Sobre a Escrita, King diz que há uma fase em que escrevemos “com a porta fechada” e não mostramos o texto para ninguém, mas eu tenho escrito “com a porta aberta” e colocado minhas loucuras aqui no blog. Tenho o cuidado de fazer uma pequena revisão em cada texto, mas eles estão bastante crus. Neste de hoje, fiz também uma revisão um pouco mais detalhada, alterando e cortando algumas partes. De uma primeira versão com 935 palavras, cheguei a essa que foi publicada com 791 palavras. Espero que estejam gostando).



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