John recobrou os sentidos, mas
ainda estava bastante atordoado. Estava caído em um beco escuro, sobre uma poça
de água suja e fétida. Não tinha lembranças de como havia chegado até ali. Ou
do que havia acontecido. Foi então que viu algo que o atordoou ainda mais.
Em outra poça, logo a sua frente,
John viu ele mesmo, caído e com um pedaço de ferro enfiado na cabeça. Havia
muito sangue no chão.
Esfregou os olhos freneticamente,
esperando que ao terminar o gesto o corpo não estivesse lá. Seria apenas
imaginação? Mas ao abrir os olhos novamente, lá estava ele mesmo caído e
aparentemente morto. As roupas eram idênticas às que John estava usando. Jeans
surrados e rasgados, camiseta branca e uma jaqueta de couro marrom bastante
desgastada e velha.
John se estapeou diversas vezes
no rosto. Com força. Mas o corpo continuava lá. Não parecia imaginação. Ele
então virou o homem com seu próprio rosto e checou a pulsação. Nenhum
batimento. E o corpo estava frio e rígido, provavelmente morto já há algum
tempo.
Antes de retirar a mão do
cadáver, John sentiu uma espécie de choque percorrer todo seu braço e uma onda
de lembranças atingiu sua mente.
Um bar de strip-tease. Uma, duas, muitas doses de whisky barato.
Algumas cervejas quentes. Muitos dólares colocados na calcinha da loira com peitos
dignos de estrelas de filmes pornôs. Ela havia sentado em seu colo e esfregado
os mamilos em sua cara. O perfume era doce, mas muito diferente do perfume de
Lydia! Naquela manhã, a namorada de idas e vindas desde os tempos de colégio
havia deixado John: ou você deixa essa vida de crimes, ou eu deixo você! Esse ultimato
fora há um mês, mas ele não acreditou.
Saiu do bar sozinho; cambaleando. Subiu na Harley Daividson e deu
partida. A chuva batendo em seu rosto ajudou um pouco. Após alguns quilômetros,
as doses de whisky barato e as cervejas cobraram seu preço: sentiu vontade de
mijar e estava bastante enjoado. Parou a moto e saltou próximo a um beco escuro
e isolado em uma área aparentemente industrial. Enquanto mijava na chuva, ficou
enjoado e vomitou repentinamente. Caiu de joelhos e outro jato de bebida subiu
de seu estomago queimando a garganta enquanto abria seu caminho para o mundo. Foi
então que ouviu as risadas!
- Hihihihi! Hahahaha! Que cena patética! Eu nunca perderia a compostura
por casa de uma puta como a Lydia!
John olhou assustado para o local de onde veio a voz. Parecia com sua
própria voz. Ele escutou os passos no chão molhado, se aproximando aos poucos.
- Eu teria enfiado uma faca no meio das tetas dela! Arrancaria aquele
coração mole e comeria cru! Jamais iria deixar ela mandar em mim! Mas você é um
banana e deixou ela ir embora. Agora está aqui, pondo as entranhas pra fora e
choramingando na chuva! Patético!
John viu horrorizado que o dono da voz era ele mesmo. Como assim?
Aquilo só podia ser sonho!
“Será que além das bebidas usei alguma coisa a mais? ” – pensou.
Mas o chute que o falador lhe deu nas costelas foi bem real. E
dolorido! Todo o ar foi expelido de seus pulmões e John caiu com a cara no
próprio vômito. Enquanto se contorcia, o homem voltou a falar:
- Não se preocupe! Estou aqui para ajudar! Sou o seu “eu negro”! Sua
metade mais animal! Estou aqui para tomar o seu lugar! Vou matar tudo que há de
bom em você e então sobrará somente o mal. Todos no mundo irão morrer! E o lado
negro de cada um irá tomar essa terra! Não há como evitar! Hahahaha!
Quando o lado negro se preparava para mais um chute, John atirou-se
para cima dele e o lançou ao chão. Os dois entraram num combate pela sobrevivência,
como dois animais. Mas o lado negro de John parecia ser mais forte e o
arremessou contra uma lixeira. John bateu com as costas e então o lado negro
começou a abrir e fechar a tampa da lixeira em sua cabeça. Uma, duas, três
vezes!
John já estava prestes a perder a consciência e se entregar para a morte
certa, quando sentiu o cheiro doce do perfume de Lydia. A lembrança dela ativou
um último ímpeto de sobrevivência em John, que conseguiu dar um coice no
atacante.
A metade negra de John cambaleou andando para trás, tropeçou e caiu de
costas. Sua cabeça foi trespassada por uma barra de ferro, parte de uma antiga
grade que fechava o beco.
John tentou se levantar. Cambaleando, com a cabeça latejando, viu seu
atacante fora de combate. Sorriu e caiu de cara no chão desmaiando.
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